sábado, 6 de fevereiro de 2021

Capela de Santiago (Correlhã)

 Os meios de comunicação social trazem-nos a informação de que a Câmara Municipal de Ponte de Lima decidiu prestar uma atenção especial à capela de Santiago, situada no meio da freguesia de Correlhã, promovendo obras destinadas a conservar o edifício, mas também a melhorar o espaço envolvente. Congratulamo-nos com a notícia. 



  
Capela de Santiago em ruínas; no interior, retábulo da segunda metade do século XVIII (rocaille)

Apesar do aspecto deprimente que nela já há alguns anos observámos – quando em 1993, em colaboração com outros estudiosos (P. Manuel G. Dias, Rui A. Faria Viana, M. Inácio Rocha) e com várias instituições (Câmara M. Viana, Instituto Católico e Centro de Estudos Regionais), organizámos no Museu Municipal de Viana do Castelo a grande exposição “S. Tiago nas imagens e caminhos do Alto Minho” – e da sua pouca valia para a história artística, os estudos a que recentemente nos dedicamos comprovam o seu interesse para a história local, especialmente para a história das relações da Correlhã com Santiago de Compostela.

Actualmente designada como Correlhã, a Villa Corneliana – grande exploração agrária com origem na época romana – fez parte de um conjunto de herdades que a Igreja Compostelana possuía em terras de Portugal, desde que em 915 lhe foi doada por Ordonho II, rei da Galiza e de Leão. Manteve-se na dependência da Sé de Compostela durante cinco séculos, isto é, desde a data já referida até 1426, ano em que foi vendida a D. Afonso, Conde de Barcelos, depois Duque de Bragança. 

Conseguimos reunir meia centena de documentos que documentam as principais vicissitudes que afectaram a sua história e na sua maioria se conservam no Arquivo da Catedral de Santiago, mas alguns repartem-se pelo antigo Arquivo da Sé de Braga (actualmente integrado no Arquivo Distrital de Braga) e pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa.   

Uma grande parte desses documentos refere-se à propriedade das terras cornelianas, às sucessivas confirmações feitas pelos governantes portugueses em favor da Igreja Compostelana, aos cuidados postos na sua organização e administração, a começar pela fixação de cultivadores e pela distribuição das áreas de cultivo. Outros referem-se a conflitos sobre a jurisdição eclesiástica entre a paróquia, o Cabido Compostelano, os Arcebispos de Santiago e de Braga. Um número significativo de registos documenta o caminho seguido pela comunidade no rumo da sua autonomia municipal. 

A capela de Santiago não era uma simples capela situada na borda do “caminho”, como tantas outras espalhadas pelo norte de Portugal e pela Galiza. Os documentos que a mencionam no período medieval, entre outros, encontram-se reunidos na colectânea acima referida “A Villa Corneliana em documentos – meio milénio de história”, publicada há dois meses no mais recente número da revista Estudos Regionais.

A igreja de S. Tomé, sede da paróquia, com a vizinha capela de Santo Abdão, estava integrada neste conjunto e dependia da Sé Compostela, mas, ao contrário do que inicialmente se pensa, a administração material deste domínio não estava centrada na igreja paroquial mas na capela de Santiago, no lugar de Sá, naturalmente nas instalações existentes à sua volta. 

Num documento de 1363, ordenava-se aos moradores da Correlhã, sempre que elegessem o novo juiz, “que fosem por la confírmaçom del a Santiago de Saa, que he no dito couto, hu suyam d’ir por ela”. Feita a eleição no “dito logo do Sisto hu se custuma d’enlegerem juyz“ os moradores “foron se logo com el ha pedir confirmaçom a Santiago de Saa”. Aliás, setenta anos antes, um contrato de 1293, com pormenores de interesse para quem estuda a história da construção, fala-nos de obras significativas realizadas neste templo. É também aí que em 1301 o pároco da igreja de S. Tomé paga a colecta ao representante do Cabido compostelano. 

Nas proximidades: janela com peitoril (servia de balcão de taberna, para o exterior, junto ao caminho)

 A importância que teve a capela ou, aliás, igreja de Santiago de Sá é suficiente para que se proteja da ruína e se valorize o espaço circundante.  

Neste aspecto, penso que, antes da pavimentação do espaço circundante, que vejo anunciada e mais uma vez aplaudo, seria vantajoso que se procedesse a uma sondagem arqueológica, para eventualmente descobrir a existência e as dimensões das possíveis instalações anexas e, por conseguinte, da sua importância.